Um simples vaso de xícaras

VASES[1]

Essa semana eu vivi a aventura mais rápida, louca, maluca e devastadora da minha vida. Eu, que fugia da pergunta “pra quando vocês vão ter filhos?”, que desviava dos familiares falando “Mas um ano de casados, já tá na hora”, sai do banheiro de casa com dois risquinhos no exame de farmácia e o coração na boca.

Minha cabeça rodou em mil pensamentos sobre a loucura de gerar outro indivíduo, de ver alguém crescer. Alguém que é seu: sua responsabilidade, seu dependente, sua consequência. Mas que não é seu, que é outro alguém, que você não doma, não prevê, não sabe, não conhece… Se isso não é a coisa mais emocionante que pode acontecer, eu não sei qual é.

Eu entrei em um mar de felicidade, aqui em casa as coisas todas viraram sorrisos. A gente nunca, nunca teve uma felicidade desse tamanho e eu posso dizer que aqui em casa a gente costuma ter várias felicidades bem grandes.

E a coisa é que enquanto piravamos sobre o dia em que essa criança conheceria um paredão de escalada com o papai ou sobre a primeira vez que mostrariamos Star Wars pra ele, parecia que nós éramos dois irresponsáveis completamente malucos brincando de casinha no meio dos adultos.

Os adultos não queriam saber se a Alice ou o Vitor iam preferir Star Wars a Star Trek, pra eles isso nem era tão importante. Os adultos queriam saber se nós tinhamos programado, se eu tava tomando vitaminas, se eu tinha feito meus exames de sangue, se eu tinha decidido se a educação seria Montessoriana, se eu tinha pensado sobre a cesárea ou parto normal, se eu ia fazer enxoval em Miami ou em Nova Iorque, se eu ia tirar uma licença maternidade muito longa ou curta ou isso ou aquilo ou aquele outro ou aquele mais…

E, enquanto todos os artigos de gravidez diziam que eu deveria esperar três meses para contar (algo pode dar errado), eu pensava que isso não faz sentido. Algo sempre pode dar errado, eu não deixei de contar que casei porque muitos casais se separam e não deixaria de falar da minha gravidez porque abortos acontecem. Se acontecesse, poxa, paciência. A gente se virava.

Eu pensei que, sinceramente, teria nove meses pra responder a todas as perguntas chatas e refutar toda a espera e que o mundo poderia se explodir porque nada ia abalar essa felicidade imensa que eu queria viver em intensidade. Mas o fim da semana veio com uma cólica infernal, uma bigorna caindo no meio do meu mar de felicidade, uma corrida pro hospital e a notícia de que tinha acabado.

Eu não ia ter o tempo de responder todas essas perguntas porque eu não estava mais grávida. E assim como eu nunca experimentei uma felicidade do tamanho do bonde que chegou, nunca senti uma dor tão grande quanto quando esse bonde me atropelou ladeira abaixo e levou tudo embora. É muito maluco você viver um sonho que nem sabia que tinha e muito mais maluco te arrancarem esse sonho das mãos.

E, no meio da dor, as perguntas não acabaram. Você foi ao médico? Fez curetagem? Avaliação dos cromossomos? Triagem dos óvulos? Agora continuará tentando? Você ainda quer? Você vai juntar dinheiro para ir a Miami?

E eu aqui, apenas querendo que Miami, com o perdão da palavra, se foda. Que Miami exploda em pedacinhos. Eu não ligo pra Miami ou pra TipTops da Tommy, eu só quero que minha felicidade que tava na minha mão não escape, que ela volte, que eu consiga dormir de novo com as mãos do meu marido entrelaçadas na minha sobre a minha barriga, com a gente suspirando sobre como o futuro vai ser lindo. Porque eu não sei mais nada.

E, sabe, eu sempre sonhei que seria assim: eu não ia tentar engravidar. Um dia, eu ficaria grávida. Como nos filmes e nas novelas. Eu não entraria nas pilhas dos exames de sangue, da preparação de seis meses com a vitamina certa e comendo brócolis diariamente.

Eu não sei quem fez isso com a nossa vida, mas me parece mais um caso de pasteurização da vida. Mais um caso de vaso de xícaras da Tok&Stok. Sabe, quando aquele DIY de vaso de xícaras do Pinterest ficou super famoso e todo mundo achava uma gracinha, daí a Tok&Stok mandou fazer milhares dele na China e de repente qualquer pessoa com cento e poucos mirréis no bolso tinha a última moda do Pinterest na sala? Porque afinal era moda, porque era algo que a internet dizia que tinha que ter e você não precisava do tempo, do afeto, da naturalidade de criar um objeto só seu?

Eu sinto que fazem isso com a vida, o tempo todo. Quando dizem pra você que gravidez tem que ser algo com um preparo, que você tem que escolher isso ou aquilo. Que um parto não é o que o seu corpo pede, mas o que você programa. Que a educação não é uma interação de amor, mas algo em um livro. Que a vida não é algo que Deus escolhe e manda quando duas pessoas se amam tão forte que viram três, mas as vitaminas e a programação e a tabela e o relógio e o cromossomo exato.

Quando foi que ficamos tão chatos? Quando foi que paramos de sentir? Quando foi que a celebração da vida virou a programação de uma bosta de um enxoval em Miami? Quando foi que ficou mais importante brigar pelo parto correto que sentir a alegria de ser mãe? Quando foi que acabou o espaço pra sofrer a perda de um aborto pra ceder lugar pra um mapeamento cromossômico desnecessário e exagerado?

A vida, parece, precisa ser chata. Chata como trabalhar oito horas por dia pra ter dinheiro pra ir na Tok&Stok comprar o vaso da última moda que você não tem tempo nem saco pra fazer porque trabalha oito horas por dia. Terceirizamos o vaso, o diy, terceirizamos a educação para o livro, medimos o afeto em TipTops importados e, agora, queremos fazer o sexo, o amor e a vida perderem a graça com uma programação estúpida. Coisa de uma geração com medo de viver, com medo de se decepcionar. Uma geração com medo de contar que ficou grávida porque, deus me livre, pode dar errado e aí o mais importante não é sofrer uma dor física e psicológica tendo o conforto de quem te ama sabendo que você está sofrendo mas explicar da forma correta para os seus amigos no Facebook que não está mais grávida, por favor, sem aborrecê-los. [Aqui não falo dos meus amigos e familiares que me aconselharam com muito amor sobre como contar para as pessoas, mas dos artigos que dizem pra você não dividir a notícia com seus pais porque “eles podem ficar felizes e se decepcionarem a toa”]

A gente toma a vitamina, compra o vaso pronto, a gente compra até a gravidez pronta e só fala nos assuntos quando não existe mais espaço pra decepção. Isso não é viver. Isso é outra coisa, outra coisa que eu recuso.

[Meu filho ou filha, tome o tempo que quiser pra chegar. Eu te prometo que você vai vir pra cá como todos os nossos projetos de DIY, de viagens, de passeios e tudo que eu e seu pai fazemos na vida: vai ser algo que resolvemos fazer um dia e botar todo nosso amor e afeto e coração pra fazer da maneira mais bonita, mais sincera e mais gostosa possível. E quando você chegar e puder ficar de verdade, você vai enfeitar nossa vida mais do que qualquer artigo que a Tok&Stok traga da China, mais do que qualquer vitamina sintetizada, mais do que qualquer playcenter de Miami. Você vai ser mais lindo e melhor que qualquer coisa. Porque você vai ser único, imprevisível, individual… e vai me decepcionar, vai me fazer chorar, vai me deixar triste e eu não tenho medo porque você vai me fazer sorrir e apagar tudo. Porque você vai ser a maior prova de que a nossa vida não precisa ser chata e programada e tabelada. Ela pode acontecer na hora que quiser. É pra isso que a gente tá aqui.]